quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

anti o falso moralismo

anti o falso moralismo

logo abaixo do umbigo
entre a flor e o tecido
a boca do desejo
esperando por um beijo
Gigi me dá o que tem de bom
a boca do desejo suja de batom

Federico Baudelaire

https://fulinaimagemfreudelerico.blogspot.com/



dentro da carne que não sai

a carne de maçã: teu corpo devorei a cada dentada metáfora à flor da pele toda nua me recebeu na cama que era o chão da sala há 6 anos desejava teu corpo como quem deseja um prato de comida quando a fome é tonta nossa meta é física e o amor é quântico sem lucidez alguma até que passe a fome e o amor acabe

Artur Gomes

www.fulinaimagens.blogspot.com


Na Nossa Mala da Fama

toda segunda feira
vou na feira
comprar pimenta e azeite
azeite aumenta o leite
pimenta arde na língua
quem tem amor uma íngua
pode usar que é preciso
dá onda como canabis
daquelas de Pernambuco
uso sempre aqui no Recife
pra domar lobos famintas
se não quiser que nem sinta
não vai fazer incelença
cordel de martelo quebrado
mas se quiser boto quiabo
pra escorregar bem de mansinho
e no canto do passarinho
salve Zeus o diabo
tudo trem sua Valença
fiz promessa pra São Jorge
de nunca perder esperança
de ter grana na poupança
e as coxas de amaralina
aquela linda de Bragança
de ficar dentro das minhas
nem que ronque trovoada
e os raios da tempestade
tombe as portas do seu castelo
e na nossa mala da fama
tenham lençóis engomadinhos
bem macios bem limpinhos
para forrar a nossa cama

Federika Lispector


DA CARNE DA PALAVRA

                 Tanussi Cardoso, poeta

Ator, produtor, videomaker e agitador cultural, o poeta Artur Gomes tem assinatura própria. SagaraNAgensFulinaímicas, seu mais novo livro, repleto de citações a partir do título, é a prova generosa do que afirmo: um inventário da pulsação de sua escritura, uma das mais iluminadas, entre os remanescentes da geração que se inicia nos anos 60-70.

Mesmo mirando certa desconstrução narrativa, o autor semeia as raízes culturais, germinadas naquelas décadas, que desabrocharam como furacão em nossa arte, principalmente vindas da canção popular, com sua palavra cantada, da poesia marginal, da Tropicália, do Concretismo, do poema-postal, da poesia visual, do cinema e, mesmo, dos quadrinhos.

Todo esse caldeirão cultural, todas essas referências e linguagens eram (são) muito próximas: Caetano, Gil, Torquato, Glauber, Leminski, Waly, Gullar, Hilda Hilst... E é desse quadro geracional (e bem lá atrás,Drummond, Murilo Mendes, Bandeira, Cabral, Quintana, Mário, Oswald e Guimarães Rosa - e principalmente -, a trilogia dos malditos: Rimbaud, Baudelaire e Mallarmé, além dos ecos do mestre beat, Allen Ginsberg), é desse manancial criativo que o poeta consegue desarmar o que nele se encontra envolto, de forma atávica, e reafirmar seus próprios tempo e potência, com o refinamento de sua fala.

Ao unir todo artefato onde exista possibilidade de poesia, Artur Gomes habita o lugar entre a palavra e a imagem, ao experimentar os sentidos que lhe chegam, sugando os afluentes existentes nas estruturas tradicionais de nossas artes, e reescrevendo-os a seu bel-prazer, num mix de nostalgia e futuro.

“visto uma vaca triste como a tua cara:
estrela cão gatilho morro
a poesia é o salto de uma vara”

De forma particular, o autor parece nos indicar algo que se confunde com transgressão, mas, ao mesmo tempo, mantém a linha tênue da poesia clássica, ao flertar com um romantismo de tintas fortes, e tocando, igualmente, o surrealismo, com uma violência verbal, que cheira à flor e à brutalidade. Cada poema possui sua própria respiração, pausa e pontuação emocionais. Quem não gostar de sangrar e ir fundo no mais recôndito dos prazeres é melhor não prosseguir na leitura, mas quem tiver coragem de encarar a vida de frente e se deliciar com versos saborosos e extremamente imagéticos, entre no mundo do poeta, de imediato, e sentirá a alegria de descobrir uma poesia a que não se pode ficar indiferente.

“a língua escava entre os dentes
a palavra nova
fulinaimânica/sagarínica
algumas vezes muito prosa
outras vezes muito cínica”

Ainda que não pretenda novas experiências formais, o autor consegue alcançar perspectivas ousadas e radicais, em vários enquadramentos linguísticos, sempre disponíveis para o espanto, já que quando falamos de poesia, tocamos em lados inexatos, onde qualquer inversão de objetividade, e da própria realidade, é sempre bem-vinda. Sua poesia tem muito da desordem, da inobservância de regras, do não sentido, e apresenta um discurso contrário a certo pensamento lógico, fazendo surgir nas páginas do livro, algumas impurezas saudáveis.

“te procurei na Ipiranga
não te encontrei na Tiradentes
nas tuas tralhas tuas trilhas
nos trilhos tortos do Brás
fotografei os destroços
na íris do satanás”

SagaraNAgensFulinaímicas nos apresenta uma peça de tom quase operístico e, paradoxalmente, para um só personagem: o Amor. E o desenho poético dessa montagem pressupõe uma grande carga lírica, alegórica e, tantas vezes, dramática, ao retratar o som universal da Paixão, perseguindo a imagem ideal dos limites do desejo. Seus versos são movidos por esse sentimento dionisíaco, e por tudo que é excesso, por tudo que é muito, como na música de Caetano.

“te amo
e amor não tem nome
pele ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos”

E indaga e responde:

“até quando esperaria?
até que alguém percebesse
que mesmo matando o amor
o amor não morreria”

Em seu texto, há uma espécie de dança frenética, onde interagem os quatro elementos do Universo – Terra, Água, Fogo e Ar – numa feitiçaria cósmica em contínuo transe mediúnico. Poesia que é seta certeira no coração dos caretas e dos conformados, ao apontar para as possíveis descobertas inesperadas da linguagem, inebriada pela vida, pelo cantar
amoroso, pelo encontro dos corpos.

“e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa”

Dono de uma sonoridade vocabular repleta de aliterações e assonâncias, que remetem à intensa oralidade e à pulsão musical, refletindo no leitor o desejo de ler os poemas em voz alta, o poeta brinca com as palavras, cria neologismos, utiliza-se de colagens originais, e soma ao seu vasto arsenal de recursos, o uso das antíteses, dos paradoxos, das metonímias, das metáforas, dos pleonasmos e, principalmente, das hipérboles, através de poemas de impactante beleza. Esse jogo vocabular, que a tudo harmoniza, transforma a dinâmica do verso, dá agilidade, tensão e ritmo envolventes a uma poesia elétrica e eletrizante. Um bloco de tesão carnavalizante e tropical - atrás de Artur Gomes só não vai quem não o leu.

“quero dizer que ainda é cedo
ainda tenho um samba/enredo
tudo em nós é carnaval”

De forma lúdica e irônica, reconstrói, ou reverte, as intenções de Guimarães Rosa, quando Sagarana se mistura à ideia de paisagens e ao sentido de sacanagens; e às de Mario de Andrade - onde Macunaíma reparte seu teor catártico em poéticas folias, ou em fulias de imagens, ou seja, em fulinaímicas poesias, banhadas de caos e humor.

“é língua suja e grossa
visceral ilesa
pra lamber tudo que possa
vomitar na mesa
e me livrar da míngua
desta língua portuguesa”

Ao seguir de perto o conceito metafórico do processo crítico e cultural da Antropofagia, o artista ratifica seus valores, com sua língua literária, e reafirma o ato de não se deixar curvar diante de certa poesia catequisada pela mesmice e pelo lugar comum, distanciando-se da homogeneidade de certo academicismo impotente e de certos parâmetros poéticos com que já nos acostumamos. De acordo com o próprio autor, revelado em uma entrevista, SagaraNAgensFulinaímicas é um pedido de bênção a seus Mestres, imbuído do teor catártico que sua poesia contém, como o fragmento do poema que abre o livro:

“guima meu mestre guima
em mil perdões eu vos peço
por esta obra encarnada
na carne cabra da peste”

E afirma:

“só curto a palavra viva
odeio essa língua morta
poema que presta é linguagem
pratico a SagaraNAgem
no centro da rua torta”

No livro, os poemas se interpenetram, linguisticamente, libidinosos, doces e cruéis, vampiros de imagens ferrenhas,num aparente jogo de representação, onde o rosto do poeta se mostra e se esconde, de acordo com a mutação e o reflexo de seus espelhos interiores. Seus textos ora afirmam, ora desmentem o já dito, a nos lembrar um de seus ídolos, Raul Seixas, e a sua metamorfose ambulante. Sentimentos contraditórios, como se o autor quisesse, propositalmente, escorregar segredos pelos nossos olhos,ambiguamente, rindo de nós, a nos instigar: “Desnudem a minha esfinge!”

“eu não sou flor que se cheire
nem mofo de língua morta”

Na verdade, sua poesia apresenta vários (re) cortes, várias direções, vários abismos e formas de olhar a vida e o mundo. Como se o verdadeiro Artur se dissolvesse em outros, a cada poema, e essa dissipação o transformasse em alguém improvável, impalpável. Errante. Artur Gomes, ele mesmo, são muitos. E todos nós.Afinal, “o poeta é um fingidor”, ou não?

“a carne que me cobre é fraca
a língua que me fala é faca
o olho que me olha vaca
alfa me querendo beta
juro que não sou poeta”

Tantas vezes escatológico e sensual, numa performance textual que parece uma metralhadora giratória, o seu imaginário poético explode em tatuagens, navalhas, sangue, cicatrizes, punhais, facas, cuspe, pus, línguas, dedos, dentes, unhas, seios, paus, porra, carne, flores e lençóis, como um paraíso construído num inferno, e toca o nosso céu interior, nas ondas de um mar verde escondido em nosso peito. Na nossa melhor alma.

Sem falsos pudores, o autor procura, em seu liquidificador de palavras, misturar o erótico, o profano e o sagrado, com cortes de cinismo e grande dose de humana solidariedade. Equilibrista na corda-bamba, sem rede de proteção, entre razão e delírio, instiga dualidades com seus versos de alta voltagem poética. Com linguagem rebuscada, seu trabalho ultrapassa os limites das páginas do livro, e reverbera como tambor, mesmo após o término de sua leitura.

“a carne da palavra
: POESIA

l a v r a q u e s o l e t r o
todo Dia”

A poesia de cunho social é, igualmente, referência obrigatória em seu trabalho, desde o início de sua carreira literária, marcadamente, em Jesus Cristo Cortador de Cana, de 1979, mas, principalmente, no memorável e premiado O Boi Pintadinho, de 1980. Esses poemas político-sociais, junto ao tema amoroso, também encontramos em outras obras importantes do poeta, como Suor & Cio, de 1985, Couro Cru & Carne Viva, de 1987 e 20 Poemas com Gosto de JardiNÓpolis& Uma Canção com Sabor de Campos, de 1990, e se inserem em todos os seus livros posteriores, que culminam agora em SagaraNAgensFulinaímicas.

Em suas viagens imemoriais, o poeta mistura São Paulo, Copacabana, Búzios, calçadas, origem, chão, mares, cactos, sertão, onde tudo sangra de maneira violentamente bela e sem volta. Só a língua a ser reconstruída em poesia.

“ando por são Paulo meio Araraquara
a pele índia do meu corpo
concha de sangue em tua veia
sangrada ao sol na carne clara”

Artur Gomes sabe que ao escritor cabe proporcionar beleza e prazer. Entende que a poesia existe para expressar a condição humana, tocar o coração e a emoção do outro, e dar oportunidade para que seu interlocutor tenha chances de conhecer-se mais e melhor. Eque só há um meio de o poeta conseguir seu intento: cuidar e aperfeiçoar a linguagem. Sempre coerente, Artur Gomes sublinha o essencial de seu pensamento, ratificando em seu trabalho que as duas maiores palavras da nossa língua são amor e liberdade.

“a coisa que me habita é pólvora
dinamite em ponto de explosão
o país em que habito é nunca
me verás rendido a normas
ou leis que me impeçam a fala”

SagaraNAgensFulinaímicas veio confirmar o que os leitores do poeta já sabiam: Artur Gomes é um artista instigante, um cantador que desafia rótulos. No seu fazer poético, há um desfocar proposital da realidade, onírico e cinematográfico, que mergulha em constantes vulcões, em permanente ebulição – um texto em contínuo movimento.

Sua poesia metalinguística, plástica, furiosa, delicada, passional, corporal, sexual, desbocada, invasiva, libertária, corrosiva, visceral,abusada, dissonante, épica é, antes de tudo, a poesia do livre desejo e do desejo livre. Nela, não há espaço para o silêncio: é berro, uivo, canto e dor. Pulsão. Textura de vida. Uma poesia que arde (em) seu rio de palavras.


Jura Secreta 47

a face oculta da maçã
duas partes que se abrem pêssego

campo de girassóis teus pelos
alvoroçados sob o sol de Amsterdã

enquanto isso
em teus mamilos penso
o que ainda não comi desta maçã

Artur Gomes

Juras Secretas

Editora Penalux – 2018

www.secretasjuras.blogspot.com


copacabana não me engana
como bem disse o meu poeta
o sal em minha pele sagarana
entre meus dentes esse sorriso
com a língua viva de domingo
lambendo toda vida severina
na língua dessa mina mariana

Gigi Mocidade
 

www.porradalirica.blogspot.com


quantos azuis celebram
tua pele pêssego
para que o amor seja
sempre
a fruta que a semente
explode em luz
?

Artur Gomes

www.fulinaimagens.blogspot.com


desconcerto
para Artur Gomes

o poeta é um jogador
joga com palavras
letra por letra
sílaba por sílaba
com nomes sobrenomes
universo das coisas
artifício das cores
tira um sarro com metáforas
desconcerta a lírica
a métrica a fonética
e os significados
onde não tem sentido
enfeitiça o sub-mundo
enaltece o desdentado

Federika Lispector


aline

 

naquela noite de chuva

as cores no vestido de Yansã passaram despercebidas por aqui o sangue encarnado nas matas de Oxossi e o olho do Dragão na ponta da espada de Ogum ainda que aline na porta da casa velha tivesse sobre a pele meus olhos presos nas palavras escritas na parede as sagradas escrituras não dissessem o quanto ali brotavam flores naquela noite de chuva num coração estraçalhado


61

revirei sacramento pelo avesso do avesso aline me acompanhou passo a passo pela ladeira até a casa dos fundos canários no quintal catavam o que comer fotografamos e filmamos o que pairou no ar e não perdoa o éter dentro o cafezal nos convidava ao êxtase aline olhou pelo espelho da janela que dava para o outro lado da alma e levitou entre as trilhas dos canteiros ouvindo o som que nos unia


Poesia Muito Prosa - vivências poéticas da minha passagem por são sebastião do sacramento em setembro de 2014 quando a musa surrealisticamente deixou o coração incandescente do poeta estraçalhado por desejo fulminante de apossar da coisa como ela é.

a flor da boca

ficamos duas horas em frente a casa velha aline perseguia os pássaros e eu comia o vento que passeava entre a pele eriçando os pelos ela me falou do prazer que ainda não tinha vivido e me mostrou a flor da boca tinha gosto de saudade o tempo da escrita e tudo que ali fizemos


Artur Gomes

www.fulinaimagens.blogspot.com


poétika


poétika


nem santa
nem puta
apenas filha
dessa ilha
seja do que for

Federika Lispector

www.fulinaimacarnavalhagumes.blogspot.com

sede

Sede

eu tenho sede de água
eu tenho sede de mar
girassol nos meus cabelos
espuma de sal esperma e pelos
por onde eu possa delirar
eu tenho sede de sexo
em noites claras de luar

Gigi Mocidade 

www.porradalirica.blogspot.com


 

tropicalirismo

Tropicalirismo

Girassóis pousando
nu teu corpo: festa
beija-flor seresta
poesia fosse
esse sol que emana
do teu fogo farto
lambuzando a uva de saliva doce

Artur Gomes
in Couro Cru & Carne Viva

www.suorecio.blogspot.com


 

poética 27

 

 poética 27


paixão é tudo
entre teu corpo e o poema
a faca desliza
amolada
entre a casca e a pele da fruta

quando sair para o banho
acenda a luz do abajour
aos pés da cama
e deixe que eu escreva nos lençóis
as palavras selvagens
que baudelaire nos ensinou

Artur Gomes

www.fulinaimagens.blogspot.com


utópica

 

utópica

o veneno agrotóxico
corrói minha carne
meu sangue
meus ossos
meu sexo
agro é pop
agro é tudo
tá na globo
agro é crime
agro é morte


na pele do poema

o cavalo selvagem
cavalga a pele do poema
enquanto transa na pastagem
um novo trote

a deusa do rock
berra em outro canto

enquanto na voragem da vertigem
assento a Pedra de Xangô
na Vitória do Espírito Santo


Cristina Bezerra
 


sábado, 11 de fevereiro de 2023

múltiplas poéticas



Brazílica Pereira



neste país de fogo & palha
se falta lenha na fornalha
uma mordaz lingua não falha
cospe grosso na panela
da Imperial tropicanalha

não me metam nestes planos
verdes/amarelos
meu dentes vãos/armados
nem foices nem martelos

meus dentes encarnados
alvos brancos belos
já estão desenganados
desta sopa de farelos


Pessoas que me comovem são aquelas que vivem ou viveram com os seus fios elétricos ligados cuspindo seus relâmpagos suas trovoadas sobre as nossas tempestades. Sou fanático sim por blues samba reggae rock and roll . Faço as minhas escolhas independente do meu coração partido e sigo vivo com os Dentes cravados na memória para jamais esquecê-las. Esta foto é para rasgar o peito e deixar sangrar poesia.

Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa

BraziLírica

para Uilcon Pereira in memória

salve salve a metáfora anárquica
res-publicana brazilirica
assombradado seja o poder da ficção
meu coração é vermelho
nunca foi verde/amarelo
minha faca tem dois gumes

não tem neves
não tem cunha
não tem mello

no circo tem marmellada
às 8 horas da noite
com a massa tele guiada



jura secreta 41

mastigo o coração do vampiro
dentro da noite relâmpago

não tenho sangue de cristo
nem sei a bela onde a/mora

se eu te comer é metáfora
se te devorar é agora



juras secreta 54

ponho meus dedos cínicos no teu corpo em fossa
proclamando o que ainda possa vir a ser surpresa
porque amor não te essa de cumer na mesa
é caçador e caça mastigando na floresta
toda tesão que resta desta pátria indefesa

meto meus dedos cínicos sobre tuas costas
vou lambendo bostas destas botas neo-burguesas
porque meu amor não tem essa de vir a ser surpresa
é língua suja e grossa visceral ilesa
pra lamber tudo que possa vomitar na mesa
e me livrar da míngua desta língua portuguesa


 

Artur Gomes

Juras Secretas

Editora Penalux – 2018

www.secretasjuras.blospot.com


poesia

eu te penetro
em nome do pai
do filho
do espírito santo
amém

não te prometo
em nome de ninguém

Artur Gomes
in Suor & Cio – 1985

www.suorecio.blogspot.com



eu
poderia abrir teu corpo
com os meus dentes
rasgar panos e sedas

da tua cama
arrancar os cobertores
desatar todos os nós

com as unhas
arranhar os teus pudores
rasgando as rendas
dos lençóis

perpetuar a ferro e fogo
minhas marcas no teu útero
meus desejos imorais

mal/dizendo
a hora soberana
com a força sobre/humana
dos mortais

quando vens me oferecer
migalha e fruto
como quem dá de comer
aos animais

Artur Gomes
Couro Cru & Carne Viva – 1987

www.suorecio.blogspot.com



espinha de peixe com farinha

naquela tarde em Teresina quando perdemos Tom Jobim, cantamos a Garota de Ipanema e o poema atravessou o cemitério com todo mistério que a tarde então continha. Marciely ainda não era a minha. o mar mora pra lá muito pra lá da cajuína. bebemos o gosto do caju sal/preso na língua e a saliva era só sal não tinha peixe no poema alguma espinha e a farinha que Luisa misturou na tapioca.


espírito santo


Guarapari aqui estou
aqui me encontro
em estado de espírito santo
nesse mar azul e branco
como a s cores da Portela
o rio já passou em minha vida
nas marés de um serafim
mar é o que fica
como o deus que me habita
sem princípio meio ou fim



Federika Bezerra
foto: Artur Gomes

Poética 80

pelas juras do sagrado
nos secretos sacramentos
juro que o meu amor o-culto
se esconde no silêncio
o seu eterno juramento

não me fala das pedras
do vale da fala
desconfio que o meu amor o-culto
esconde a sua verdade
com medo da dor que sangra
na ferida da saudade


 Poética 89

o que me inspira
o que me transpira
o que me pira
faz suar
re-escrever
e delirar

para não enlouquecer



Artur Gomes Gumes


Entrevista com a Psicoterapeuta Isadora Chiminazzo Predebon – continuação


Artur - O Que é Psicofobia?

E até onde ela pode nos levar?

Isadora - A Psicofobia se trata de um preconceito em relação às pessoas que têm transtornos mentais ou deficiências mentais dos mais diversos tipos. Antigamente, relacionava-se com pessoas "endemoniadas", "demônio no corpo", "bruxaria" e entre outras questões. Com o surgimento da psiquiatria e da psicologia e seus estudos e contribuições para a compreensão e tratamento das mesmas, acabou diminuindo um pouco a psicofobia por parte da população.

Mas ainda, no senso comum, pouco se sabe sobre o movimento da Reforma Psiquiatrica, por exemplo, que trouxe com ela novos modos de tratar transtornos mentais (principalmente, os mais graves) e um questionamento ao modelo antigo de "tratamento", quando relacionado aos manicômios ou hospitais psiquiátricos.

A psicofobia pode tanto levar para uma pessoa não buscar tratamento por medo de ser "taxada de louca", como também, inferiorizar pessoas que têm transtornos mentais e que precisam de um tratamento adequado (psiquiátrico + psicoterapia; psicoterapia; tratamento sistematizado, etc). De qualquer forma, a psicofobia atrapalha a busca por tratamento, como também acaba, por falta de informação, negligenciando e inferiorizando ao tratar como "frescura".

A Associação Brasileira de Psiquiatria tem um forte campanha de iniciativa para combater o preconceito à Psicofobia.

Em resumo, a Psicofobia além de dificultar a busca por tratamento, também pode contribuir para taxas de suicídio e intensificação de alguns sintomas. 

BraZilianas 2019

não sei se piso terra firme
ou me afogo em pantanais
nem sei se lanço meu barco na tormenta
ou se me atiro contra o cais

no Mar de Lama inverteu-se a hierarquia
trepar na goiabeira é muito pouco
culpa do tao do Satanás
e no brasil jesus cristo é muito louco
e um capitão manda agora em generais

Artur Gomes 

Poética 92

Era uma vez e não Hera
deus Prometeu me dissera
Cronos a transformará em Fedra
se não descrever sobre a pedra
as escrituras secretas
que tu trazes da carne
de lá da ilha de Creta



Federika Lispector

Psicótica – 67

não frequento academias
físicas – e muito menos literárias
minha palavra avária
está à beira do precipício
nem sei porque não continuei
internado no hospício
onde choques elétricos aconteciam as tantas
no manicômio Henrique Roxo
na cidade de Campos dos Goytacazes
onde a medicina psiquiátrica
era exercida por capatazes de médicos açougueiros
e um Capixaba de nome Vespasiano
não resistiu ao surto
explodiu a cabeça contra a parede
e nenhum jornal da cidade
noticiou o suicídio
que eu trago na lembrança
com os dentes cravados na memória

Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa 

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Com Os Dentes Cravados Na Memória


Relatório

I

na sala ficaram cacos de pratos
espalhados pelo chão. pedaços do corpo retidos
entre o corredor, após o interrogatório.
um cheiro forte de pólvora e mijo
misturados a dois ou três dias sem banho
depois de feito sexo.
só o fogo da verdade exalando odor e raiva
quando em verde, conspiravam contra nós.

em são cristóvão o gasômetro vomitava
um gás venoso nos pulmões já cancerados
nos quartéis da cavalaria.

II

me lembro.
o sentimento era náuseas, nojo, asco,
quando as botas do carrasco
bateram nos meus ombros com os cascos.

jamais me esquecerei o nome do bandido
escondido atrás dos tanques
e
se chamavam:
Dragões da Independência
e a gente ali na inocência.
comendo estrumes. engolindo em seco
as feridas provocadas por esporas.
aguentando o coice, o cuspe,
e
a própria ira
dos animais de fardas
batendo patas sobre nós.

III

com a carne em postas sobre a mesa,
o couro cru, o coração em desespero,
o sangue fluindo pelos poros, pelos pelos.

eu faço aqui
meditações sobre o presente
re cri ando
meu futuro.
tendo o corpo em cada porta
e a cara em cada furo.

tentando só/erguer
as condições pra ser humano
visto que tornou-se urbano
e re-par-tiu
se
em mil pedaços
visto que do sobre-humano
restou cabeça, pés, e braços.

Artur Gomes

Couro Cru & Carne Viva - 1987 

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ê fome negra incessante
febre voraz gigante
ê terra de tanta cruz

onde se deu primeira missa
índio rima com carniça
no pasto pros urubus

oh! my Brazyl
ainda em alto mar
Cabral quando te viu
foi logo gritando:
terra à vista!
e de bandeja te entregando
pra união democrática ruralista.

por aqui nem só beleza
nesses dias de paupéria
nação de tanta riqueza
país de tanta miséria

-
"Artur Gomes é daqueles poetas que não se contentam em grafar suas palavras apenas nas páginas de um livro. Ele inscreve seus poemas no próprio corpo, na própria voz. Misto de ator saltimbanco e trovador contemporâneo, seus versos ritmados e musicais redobram a força quando saltam do papel para a garganta."
do prefácio de Ademir Assunção

 

Pátria A(r)mada

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carnívora

o amor é feito de corpos
o amor é feito de membros
o amor é feito de meses
janeiro fevereiro março
todos os dias acordo e me lembro

o amor é feito de abril
maio junho julho
o amor é feito de agosto
setembro outubro novembro
o amor é feito dezembro

o amor é feito de anos
o amor é feito de agora
horas minutos segundos
é razão de estar no mundo
o amor se faz toda hora


vertigem 8

de pedra dourada ficaram dedos
em minha língua de pétalas
desejos não saciados
por águas de cachoeiras
por trilhas inalcançáveis
na pele dourada de sol

de pedra dourada ficaram minas
cravadas na flor da memória
no corpo cicatriz - tatuagem
nos olhos quanta vertigem
não sei por quantas viagens
ainda terei estas minas
em cada sulco dos dedos
em cada pedra nas mãos


marginalha

os caranguejos explodem no meu crânio
mariposas pousam mas não cantam
borboletas voam mas não cantam
os papagaios estão mudos
desde o grito de Cabral: o Terra à Vista!
a amazônia é exterminada por moto-serras ruralistas.

mas juro que não sou correto
juro que não sou decente
poesia é faca entre os ossos
navalha entre os dentes
desde todo tempo as milícias des(matam) nas favelas
e todo Dia é Dia D Todo Dia É Dia Dela
vivo num brasil subvertido
na cadeia está preso um presidente
e os palácios são os covis desses bandidos.


ancestral

há muito tempo não recebo cartas de ninguém
mas não rezo padre nossos

simplesmente para dizer amém
já fui católico rezei terços ladainhas

acompanhei a procissão dos afogados
na Tapera para soletrar a palavra Cacomanga
e entender que o barro da cerâmica
trago grudado na minha íris retina
meu batismo de fogo foi numa Santa Cecília
entre víboras e serpentes
mordi a hóstia do padre
sua saia preta me levou ao pânico
de sonhar com juízes e hoje saber o que são
minha África são os olhos negros
de Madame Satã
na língua tenho uma sede felina
na carne essa fome pagã
sou um homem comum
filho de Ogum com Iansã


Artur Gomes
O Poeta Enquanto Coisa

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Sarau Campos VeraCidade

Sarau Campos VeraCidade   Dia 15 de Março 19h - Palácio da Cultura - música teatro poesia   mesa de bate-papo :um olhar sobre a cidade no qu...