ALGUMA POESIA
não. não bastaria a poesia deste bonde que despenca lua nos meus cílios
num trapézio de pingentes onde a lapa carregada de pivetes nos seus arcos
ferindo a fria noite como um tapa
vai fazendo amor por entre os trilhos.
não. não bastaria a poesia cristalina
se rasgando o corpo estão muitas meninas
tentando a sorte em cada porta de metrô.
e nós poetas desvendando palavrinhas
vamos dançando uma vertigem
no tal circo voador.
não. não bastaria todo riso pelas praças
nem o amor que os pombos tecem pelos milhos
com os pardais despedaçando nas vidraças
e as mulheres cuidando dos seus filhos.
não bastaria delirar Copacabana
e esta coisa de sal que não me engana
a lua na carne navalhando um charme gay
e uma cheiro de fêmea no ar devorador
aparentando realismo hiper-moderno,
num corpo de anjo que não foi meu deus quem fez
esse gosto de coisa do inferno
como provar do amor no posto seis
numa cósmica e profana poesia
entre as pedras e o mar do Arpoador
uma mistura de feitiço e fantasia
em altas ondas de mistérios que são vossos
não. não bastaria toda poesia
que eu trago em minha alma um tanto porca,
este postal com uma imagem meio Lorca:
um bondinho aterrizando lá na Urca
e esta cidade deitando água em meus destroços
pois se o cristo redentor deixasse a pedra
na certa nunca mais rezaria padre-nossos
e na certa só faria poesia com os meus ossos.
Artur Gomes
Couro Curu & Carne Viva – 1987
Pátria A(r)mada - 2022
leia mais no blog
https://arturgumesfulinaima.blogspot.com/
Jura secreta 18
te beijo vestida de nua
somente a lua te espelha
nesta lagoa vermelha
porto alegre caís do porto
barcos navios no teu corpo
peixes brincam no teu cio
nus teus seios minhas mãos
as rendas íntimas que vestias
sobre os teus pêlos ficção
todos os laços dos tecidos
e aquela cor do teu vestido
a pura pele agora é roupa
e o sabor da tua língua
e o batom da tua boca
tudo antes só promessa
agora hóstia entre os meus dentes
e para espanto dos decentes
te levo ao ato consagrado
se te despir for só pecado
é só pecar que me interessa
jura secreta 34
te amo
e amor não tem nome
pele ou sobrenome
não adianta chamar
que ele não vem quando se quer
porque tem seus próprios códigos
e segredos
mas não tenha medo
pode doer pode sangrar
e ferir fundo
mas é razão de estar no mundo
nem que seja por segundo
por um beijo mesmo breve
porque te amo
no mar no sal no sol na neve
Juras Secretas
Editora Penalux – 2018
www.secretasjuras.blogspot.com
diante do espelho sou
e sempre serei outra
agora o que não sou
fica do outro lado de fora
a lâmina acesa, a brasa
o sal do suor do cio
o mar entre minhas coxas
e mangue entre minhas pernas
os caranguejos que me invadem
sempre que me olham
Gigi Mocidade
diante do Espelho fico zen
chamo zeca baleiro de meu bem
canto a mama canto o papa
canto o negão do rappa
canto até quem não conheço
e não preciso de endereço
pra mandar cartão postal
canto a mina da esquina
que se chama Lys Cabral
Federika Lispector
O Boi-Pintadinho
E
lá vai o boi
com teus olhos tristes
feito mãe cansada
das estradas da vida,
vai carregando dor nos olhos,
cabisbaixo,
com medo de levantá-los
e ser o primeiro
a enfrentar a faca
ou quem sabe a forca.
Lá vai o boi de arado
boi de carro
boi de carga
boi de carca
boi de canga
boi de corda
boi de prado.
Boi preto
boi branco
lá v ai o boi-pintadinho
levanta meu boi levanta
que é hora de viajar,
se o povo não te cantou
é porque não sabe cantar!
Lá vai o boi
na tua consciência
triste e solitária
olhando os que passam
com medo de levantar a voz
e colocar o teu mugido
na consciência dos outros
Lá vai o boi
no teu passo manso,
dança na contra-dança
com certeza que esperança
é muito mais aquilo
que já te foi predestinado
lá vai o boi-pintadinho...
levanta meu boi levanta
que é hora de viajar
se o povo não te cantou
é porque não sabe cantar!
Lá vai o boi
boi Antônio
boi Joana
boi Maria
boi João
boi Thiago
boi Ferreira
boi Drummond
e boi Bandeira
e tantos outros bois
que conheci
por este país afora...
que sabendo ou não sabendo
cada boi tem sua hora
lá vai o boi
tranquilamente manso
no teu equilíbrio manco
que me inspira e desespera
vai para o cofre
ele sabe disso
vai para o açougue
ele sabe disso
vai pra balança
e nem parece equilibrista
mas já conhece o seu destino
lá vai o boi-pintadinho...
levanta meu boi levanta
que é hora de viajar
se o povo não te cantou
a minha história vai contar!
E lá vai o boi
atravessando ferrovias
nos vagões a ferro
vai carregado
de marcas pelo corpo
e agonia pela alma
lá vai o boi pintadinho
levanta, meu boi levanta
tenha mais fé e menos calma
levanta meu boi de carga
boi de canga boi de corte
boi que nasce pra vida
e a gente engorda pra morte
Artur Gomes
O Boi-Pintadinho – 1981
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27 de agosto
com muito gosto
fazer setenta e sete
outra coisa me disse
fulinaíma
pra definir o que faço
o traço a cada compasso
pensado sentido vivido
estando inteiro
não par/ti/do
a língua ainda
entre/dentes
a faca
ainda mais afiada
a carNAvalha in/decente
escre/v(l)er
é tudo o que posso
pra desafinar os contentes
desempatar de/repente
o jogo dos reles bandidos
é tudo o que tenho feito
por mais que tenha sofrido
nas unhas dos dedos
nos nervos
na carnadura dos ossos
Artur Gomes
Hoje Balbúrdia PoÉtica especial
no Carioca Bar - Rua Francisca Carvalho de Azevedo, 17
Parque São Caetano - Campos dos Goytacazes-RJ
Espero vocês lá, a partir das 18h
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Artur Fulinaimagens
https://fulinaimargens.blogspot.com/
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